Bruno
Mareto
Psicanalista Online
Mudar de terra é se perder
e se inventar
Por: Bruno Mareto
Quando nos mudamos, saímos de uma moldura que nos organizava mesmo sem a gente perceber. O espaço, as pessoas, a rotina, e todas as suas características - tudo era contorno da psique, tudo era fronteira e pele: até aqui, eu sou; além daqui, sei lá.
Chegar em outro lugar é chegar em outro continente - outro recipiente pra conter nosso mundo interno. Um novo espaço, novos objetos e sensações, talvez novas instituições, e até uma nova língua ou sotaque.
Por mais parecidos que sejam, não encontramos substitutos perfeitos - algo da nossa forma se mantém, mas algo se perde e algo se transforma.
Mudar de casa ou de terra é se perder um pouco, mas também é se inventar. Algo em nós fica desencapado: sensível por fora e soltando faísca por dentro; mas essa energia que sobra, essa libido que a gente recolhe no luto da amada pele antiga, é livre. Às vezes até mais livre, se a outra pele era apertada demais.
Sobra um resto entre o que eu consigo levar e o entorno que eu encontro: um resto de coisas que não consigo fazer caber, um resto de espaço vazio que não consigo preencher.
Com isso que resta, posso fazer guerra ou me expandir, posso fazer casca ou pele. Vai ter atrito, mas também pode ter contato.
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Uma mudança e uma migração certamente são coisas diferentes, mas talvez estejam nos extremos de um mesmo espectro, se considerarmos o deslocamento do lar no espaço como um denominador comum.
Nem sempre a dor desse movimento é óbvia, por isso é importante lembrar que perdemos algo, que o que encontramos nos é estranho, e que criar e construir custa algum trabalho interno.
Idealizar ou desprezar qualquer uma das margens - seja a que deixamos ou aquela aonde chegamos - é (legítima) defesa. Quanto mais atentos a toda a estranheza de uma mudança, mais rápido e mais extensamente conseguimos nos localizar.
Tudo isso depende de muitas coisas, muitas das quais nos escapam. Depende, no mínimo, das condições do deslocamento (por exemplo, se é forçado ou voluntário), de alguma sorte com o que nos aguarda no novo destino, da nossa capacidade de reconhecer que somos um tanto impermanentes, e de um tanto de coragem e generosidade pra ser outro.
Ampliando a ideia anterior: até aqui, eu sou; além daqui, só sei lá.